7 de julho de 2014

Postagem Branca

Tristemente interrompo o Especial Disney para divulgar um desabafo que recebi de uma amiga querida. Ela pediu que eu não denunciasse seu rosto ou seu nome, mas quero dizer que é uma pessoa muito especial e doce. Esta minha amiga ficou de me mandar um texto sobre a postagem de estupro e feminismo, o #NãoMereçoSerEstuprada, mas sumiu logo depois que eu publiquei o texto com as mensagens de Petra e Giovanna. Eu não entendi bem o porque, mas agora, depois de tanto tempo, ela me explicou. Que fique como denúncia aqui e respeito a ela. Ela pediu para que ficasse anônima.

Esta postagem é branca. Sem felicidade, sem tristeza, apenas neutra e pensativa. Sem foto. Segue:

"Aos meus treze anos eu fui estuprada por três homens. Não tem o que dizer, foi isso mesmo. Houve penetração anal, vaginal, espancamento... Tenho cicatrizes dos lugares onde queimaram cigarros em mim até hoje. Eu nunca havia dito isso pra ninguém, até meus dezesseis anos, quando conheci pessoas que me disseram que eu não deveria ter vergonha disso. Aconteceu e estava no passado. Então, quando alguém perguntava, eu respondia que sim, eu tinha sido estuprada. Mas então começaram a dizer que eu só dizia isso pra chamar atenção. Me fechei novamente. Eu não confio em homens. Eu gostaria de confiar, gostaria de ser menos preconceituosa, mas parece que isso foi implantado no meu subconsciente. Algo como "todos os homens querem te usar". Daí isso piorou. Se tornou algo como "todas as pessoas querem te usar". Eu tive medo de fazer queixa na policia na época. Hoje não posso mais fazer nada. Eu achava que eu tinha perdoado no meu coração as pessoas que fizerem o que fizeram comigo. Mas eu não consigo. Eu já disse diversas vezes que eu havia perdoado tudo, mas não é verdade. Eu nunca mais usei shorts ou saias muito curtos desde então. Eu me sinto suja o tempo inteiro, como se eu tivesse uma camada permanente de sujeira na pele. Eu constantemente uso roupas masculinas alegando que elas são "mais bacanas" que as femininas. Mas na verdade, eu uso porque elas escondem melhor meu corpo. Você já se sentiu mal dentro da própria casa? Bom, eu me sinto mal dentro do meu corpo. E eu não posso fugir disso. Sou eu versus eu mesma. Meus pais ainda acham que eu estou mentindo, apesar de todas as cicatrizes, todas as minhas crises, todo o choro... Apesar de eu dar minha própria palavra. Minha mente me sabota. Num nível consciente do meu pensamento, eu sei que não sou culpada de nada. Mas num nível inconsciente, eu me sinto imensamente culpada, eu sou a vilã. Eu acho que mereço cada coisa ruim que acontece comigo desde então. Eu acho que eu não tenho valor nenhum. Eu acho que eu mereci, apesar de desejar que não tivesse acontecido. Mas eu aprendi que as pessoas não gostam de ouvir as lamurias dos outros. Então, pra impressão geral, eu sou alguém engraçada, que se valoriza, bobalhona e enfim... Livre de problemas. Eu sou uma grande atriz da vida. Não é algo que deveria orgulhar a alguém, ou algo pelo que merece admiração. É horrível. Eu não sou quem eu sou. Além de toda a bagagem de problemas que esse estupro me trouxe, eu já tinha os meus. Eu tenho alucinações visuais e auditivas. Eu tenho depressão desde que lembro. Eu tenho crises de pânico e psicóticas. Eu tenho ansiedade. Eu sou suicida. Eu encerro esse texto com a seguinte proposta: você nuca vai conhecer seu próximo 100% quanto ele conhece a si mesmo. Não tente interpretá-lo melhor que ele mesmo, sempre que possível. Trate cada pessoa como se você se o mundo fosse construído de amor e você estivesse conhecendo aquela pessoa pela primeira vez, ou seja, entenda que ninguém é a mesma pessoa que era a um segundo atrás, que dirá dias, semanas, meses ou anos, que elas podem ter mudado de opinião sobre varia coisas. Basicamente: não julgue. Cada pessoa carrega um universo dentro de si, e em todo universo existe nem que seja uma pitada de caos. Você também carrega . A pessoa mais próxima de você também. Todos. Trate cada pessoa como se aquela fosse a primeira vez dela tentando algo novo e ela fosse uma criança. Trate com carinho. Distribua as coisas boas que você carrega consigo, não as negativas. As positivas construirão um legado, as negativas serão borrões na fotografia do tempo. Tratem as pessoas com amor fraternal. Se eu tivesse sido tratada com mais amor, provavelmente o meu texto estaria falando sobre uma experiência mais bonita."

3 comentários:

  1. Um dos melhores textos que eu já li no seu blog, Ani <3 Realmente é muito triste, e eu acho que ninguém tem como consolar uma pessoa que passou por isso, nunca tendo passado :/ Só quem já viveu mesmo pra entender, e sinceramente? eu não quero entender

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  2. Meu Deus! O que pode ser dito a essa criança que hoje pode ser já uma mulher ou não? Não a conheço e não preciso ver seu rosto para saber de seu desespero, mas também não posso dizer que a compreendo, se eu a conhecesse poderia ser seu ombro amigo, mas ainda assim sentiria q seira pouco.

    :/
    Um pouco de Mundo

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  3. intrigante, triste, sem palavras. Só em pensar, que fatos como este narrado a cima, são consumados todos os dias, em nossa "bela" sociedade, marcada pela justiça e igualdade. Este texto é um clamor, que devemos cantar a Deus, pedindo paz ao coração desta menina...

    Medo.
    Todos temos medos e, duvidas. Muitas destas dúvidas e, medos, são traumas não tratados, que as vezes duram um vida toda...

    http://diempoetico.blogspot.com.br/2014/08/medo.html

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